domingo, 1 de agosto de 2010

Uma Noite em 67, Tropicalismo e o verbo Caetanear




Capa bombástica da revista Bravo sobre o filme “Uma noite em 67”, lançado nesse fim de semana. Na foto, Caetano, Chico e Gil durante o festival de música da Record de 67. Caetano à esquerda. Chico à direita. Gil no centro. Caetano com uma roupa transgressiva, lisérgica, idêntica ao flower power do final dos 60. Chico, de gel, smoking e camisa branca. E Gil no meio, de terno e blusa de gola, com grande elegância. Conforme a reportagem, Gil não sabia se ficava do lado dos entusiastas do uso da guitarra na música brasileira, como Caetano ou junto daqueles que eram contra a guitarra, como Elis Regina. Naquela época, em pleno auge da ditadura militar, saber de que lado estava artisticamente ganhava contornos políticos. O Brasil deveria ter influências da cultura americana?

E a maneira como esses 3 grandes artistas brasileiros estão na capa da revista é representativo também sobre a questão de que a arte tem mais importância que a política em certos momentos da nossa história. Caetano está à esquerda na foto. Sua roupa, sua atitude demonstram isso. Já Chico se veste da maneira mais reacionária possível já que tinha um certo compromisso de cultivar seu papel de mocinho no festival, o que apesar de ganhar gritos das garotas da platéia, em termos artísticos o tornava sem graça, De qualquer forma, seu comportamento no filme mostra que ele já não se sentia bem com aquela roupa e com aquele papel.

Por esse prisma, vemos que em momentos marcantes da política e cultura brasileira, Caetano sempre se postou à esquerda de Chico, em termos de atitude, apesar de até hoje Chico sempre se mostrar comunista e Caetano liberal, o que pra mim fica cada vez mais claro de que a cultura pop se encontra à esquerda do comunismo, simplesmente porque quem se encanta com os acordes de uma guitarra, nunca aceitará fascistas, como tanto Bob Dylan dizia.

Já nos anos 70 vemos que a diferença musical entre Caetano e Chico vai ganhando contornos mais emblemáticos. Caetano se aproximando do música americana e do rock britânico, conforme seus discos no exílio, além de suas parcerias com o Black Rio e Jorge Ben a partir da metade desta década. Chico, por sua vez, sempre se identificando com o samba da velha guarda, a música clássica e a bossa nova, gêneros há muito tempo já existentes no Brasil.

Bom. O que achei mais interessante do filme é a importância que o festival desse ano teve para o Tropicalismo se firmar na cultura popular brasileira. Isso é mostrado na maneira com que Caetano e Gil lembram desse festival com um grande carinho, como um momento em que a Revolução Cultural do final dos anos 60 ganhou seu lugar no Brasil. Emblemático o momento em que numa entrevista a Blota Junior, Caetano tenta remeter o Tropicalismo ao pop art e ao gibi, fenômenos considerados pró-americanos ou seja, tudo aquilo que a turma da esquerda da época rejeitava. Já Chico trata esse festival com um certo desdém, talvez por saber que o fato de ser o mocinho do festival de certa forma o representava como como o vilão reacionário contra todo o novo que vinha junto com o Tropicalismo de Caetano, Gil e os desconhecidos Mutantes nesse festival.

O filme é emocionante e divertido. Chorei quando ouvi Alegria Alegria, o que me remeteu à época do impeachment do Collor, quando essa música foi tema de uma minissérie, o que acabou contagiando novamente o País. No meu caso, para um garoto de 12 anos, mais representativo ainda. Lembro que nessa época escutei pela primeira vez uma coletânea de Caetano, um cd minha irmã, que naquele momento estava se caetanizando, com sua vida universitária no interior de SP. Esse cd é inesquecível, com certeza base artística para tudo que veio depois na minha vida.

Isso me remete a uma questão que um professor de cursinho, meio mala, nos perguntava. Quem seria melhor? Caetano ou Chico? Ele dizia que claro, Caetano era melhor. Nessa época, final dos anos 90, com Caetano se aproximando da música comercial brasileira, das novelas, eu, como todo estudante de cursinho, meio socialista, achava um absurdo considerar um cara que gosta de Sandy o maior artista brasileiro! Justamente esse foi o momento em que mais me distanciei de Caetano e me aproximei de Chico, talvez pelo fato de nessa época ter que ter um comportamento mais sóbrio pra conseguir passar no vestibular e do primeiro ano da faculdade, o mais difícil, como todos diziam.

Hoje 13 anos depois, posso dizer que meu professor estava certo. Conforme mostra esse filme, Caetano foi muito mais importante que Chico durante nossa Revolução Cultural dos anos 60. Ele foi o grande mentor e mártir do tropicalismo no Brasil. Mas como Caetano diz sempre e também no filme, tudo isso se deve a Gil, que é claro merece um capitulo a parte, que futuramente quero falar. Com certeza ele não é coadjuvante nessa história, ao contrário de Roberto Carlos nesse filme, talvez o único momento em que o rei foi súdito. Depois de ver esse filme, fiquei com orgulho de encontrar dias desses a ex mulher de Caetano, a Paula Lavigne, durante o show do Otto, e sem vergonha alguma, dizer que o Caetano foi meu grande mestre. Após uns 10 anos de raiva de Caetano, a cada dia que passa vou me conciliando com a música e a atitude de Caetano, descobrindo suas músicas obscuras, principalmente dos anos 70, época que acho que a música brasileira traduziu um pouco mais daquilo que o Caetano queria trazer com seu Tropicalismo, conforme os trabalhos de Jorge Ben, Mutantes, Novos Baianos e Gal Costa.

Agora me vem mais um momento marcante do filme. Ao ser questionado se ele se preocupava com a repercussão na Bahia sobre a utilização de guitarras nos festivais, Caetano responde brilhantemente: "O povo baiano é muito maior que isso." Ouvir uma frase dessa só me dá orgulho de saber que toda minha família paterna vem da Bahia. Fica mais fácil entender o que significa o verbo Caetanear, profetizado numa das mais belas músicas de Djavan, aliás, mais uma questão com que me deparei no vestibular. Dá vontade até vontade de cantar:

"O luar, estrela do mar. O sol e o dom, quiçá, um dia a fúria. Desse front virá lapidar. O sonho até gerar o som. Como querer caetanear o que há de bom ..."

Um comentário:

  1. Me deu mais vontade ainda de ver o filme. Esperarei chegar nas melhores locadoras do ramo.

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