quinta-feira, 10 de novembro de 2011

USP, filhinhos de papai e revolução

Tudo bem, eu sei que o assunto ta batido, afinal, já tem mais uma série de novas informações na TV para serem mastigadas, deglutidas e jogadas fora, mas me senti fortemente atingido com a repercussão altamente preconceituosa nas redes sociais que com certeza deixariam Hitler feliz em seu caixão.


Dos tantos bullyings que já sofri, como qualquer pessoa normal nesse mundo, lembro de ter sido chamado de burguesinho por alguns moleques na rua da minha avó. Tudo bem, não brincava de bolinha de gude nem soltava pipa como muitas das crianças do meu bairro. No primário, era um dos raros alunos da minha escola que tinham videogame em casa.






Não precisou muitos anos e veio o plano Real e o período de desemprego no país, que atingiu fortemente minha família. Lógico, que a partir daí, um cara que tinha tudo pra ser engenheiro, em virtude da familiaridade com matemática e games, sentiu que havia inimigos mais difíceis para ser combatidos. O neoliberalismo era assunto complexo e precisava ser estudado. Claro que também tinha o interesse em ter um emprego, o grande sonho de todo jovem em tempos de recessão.


Enquanto a maioria dos meus colegas de escola preferiram o caminho mais curto, entrar numa faculdade sem vestibular e pagar todo mês uma baita grana muitas vezes em faculdades questionáveis (não seria isso filhinho de papai?), preferi o caminho um pouco diferente, um estudante de escola pública entrar numa universidade pública. Ter visto meu nome na lista dos aprovados na USP mudaria completamente minha vida.






Entrei na FEA, uma das faculdades mais elitistas da USP, no período da manhã, onde vc era um ser estranho se não tivesse um carro e viesse de escola pública. Entretanto, apesar disso em nenhum momento achava meu colegas de faculdade filhinhos de papai. A maioria basicamente queria ter um bom trabalho pela frente, como qualquer jovem com algumas ambições. Eram dedicados, liam manuais gigantescos e tiravam notas super altas. Muitos queriam ganhar seu primeiro milhão antes dos 30 anos.


Na verdade o que mais me incomodou na FEA era a despolitização da maioria daqueles estudantes. O Brasil vivia uma baita crise econômica na virada do século, e os assuntos discutidos por muita gente eram extremamente rasos. Todo aquele questionamento adquirido no cursinho tinha sido jogado por terra. Até dava pra entender um pouco, afinal naquele momento as fundações que existiam na FEA (FIPE, FIA e FIPECAFI), traziam muito mais os valores bancados pelos interesses das grandes corporações financeiras que financiava a faculdade (Até hoje tem quadros do Bradesco em diversas das maravilhosas salas da FEA).





Muitos dos professores nos pregavam teorias de que o Estado não deveria interferir na economia, com base em modelos matemáticos altamente questionáveis. Enfim, teve que aparecer a grande crise nas grandes economias nos últimos 3 anos para mostrar pra todo mundo que toda aquela teoria que me fizeram engolir era mentirosa. Claro que ao longo da faculdade fui descobrindo professores tão bons quanto tive no cursinho, mas era um difícil trabalho de garimpagem.






Acabei não participando de nenhum grupo estudantil. Naquele momento o que mais precisava era trabalhar, afinal a crise vinda após o plano Real ainda era sentida por toda minha família. Mesmo assim, admirava alguns dos meus colegas da FEA que participavam de algum movimento estudantil.







Um dos momentos mais legal da faculdade, tirando algumas das poucas festas que participei, das bebedeiras e dos tapas na pantera, foi dentro da sala de aula, quando por conta dos diversos devaneios de um professor que pelo menos falava o que pensava, um aluno pediu direito de resposta para o professor na aula. Levantou e relatou tudo o que pensava a respeito da maneira como o professor dava aquela aula. O professor ficou calado, atônito, enquanto o aluno falava. A sala de aula ficou em silêncio. Muitos saíram pra cumprimentar esse aluno no final da aula. Comentei pra ele que apoiava seus questionamentos. No final do ano ele teria mudado de faculdade. Disse que não acreditava nos valores cultivados por aquela faculdade. Foi estudar na faculdade de ciências humanas da USP. Nunca mais o vi.







Tempos depois, lá me via eu me sentindo torturado por teorias que não acreditava no mestrado em economia na FGV, outra faculdade de elite de SP. Agora não bastava escutar as teorias, tinha que ficar se matando de estudar todos os finais de semana assuntos que dificilmente aplicaríamos no país, mas que entretanto era importante pra faculdade ganhar seu respeito no mundo acadêmico. No final desse ano, já com meu emprego garantido, não pensei duas vezes. Larguei aquele mestrado que não me agregava praticamente valor adicional nenhum. Foi um momento tão bom quanto ter visto meu nome aprovado na lista do vestibular.







Tudo bem. Não sai com armas e nunca invadi prédios. Mas acho que a vida é feita de revoluções. Temos que nos incomodar com as coisas. Afinal se ficarmos quietos com coisas que não acreditamos, não existe indignação, não existe vida. Viva os revolucionários, seja aqueles que tentaram acabar com as ditaduras em seus países, seja aqueles que tentaram mudar suas vidas dentro de suas próprias casas, ou em sua cidade, ou em sua universidade. O poder ta cada vez maior nas mãos de poucos porque a maioria da população não toma partido de nada, só se indigna com o excesso de coragem de algumas pessoas. O que falta nesse Mundo é a necessidade de se tomar partido das coisas e nesse momento o que mais procuro é o direito de exercer plenamente minha liberdade individual, que países que todo mundo paga o pau, como a China, continuam a desrespeitar.