segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Gil




Acabo de ver o documentário sobre Gilberto Gil no A&E. Talvez por conta do clima carioca, o interesse em relação à música brasileira tem voltado com atraente intensidade, o que me levou há 2 semanas sair emocionado do cinema após ver o documentário “Uma Noite em 67”, tendo Gil como um dos personagens principais do filme. Entretanto, no texto que escrevi sobre o filme, foquei mais na grande diferença estética, políticas e comportamentais entre Chico e Caetano ao longo do tempo, e que já aparecia em 1967. Isso acabou dando a impressão de que Gil ficava no meio do caminho, que não sabia de que lado estava, que de certa forma era verdade com relação à revolução das guitarras. Entretanto no filme inteiro Caetano faz questão de dizer que o grande mentor de sua performance durante o tropicalismo era Gilberto Gil.







Isso me lembra duas das declarações de Caetano que me marcaram. Uma, durante o Programa Livre, de Serginho Groisman, em que disse que não seria nada além que apenas um bom cantor, caso não conhecesse Gil. Se naquele momento, ele tinha alguma importância ímpar na música, devia inteiramente a Gil. Outra entrevista, acredito que não faz tanto tempo, Caetano dizia que não acreditava em Deus. Mas como Gil acredita em Deus, então ele passou a acreditar em Deus. Essa idolatria não pertence apenas a Caetano, apesar de Flora Gil dizer no documentário do amor que nutrem Caetano e Gil. Fernanda Takai, ainda nos anos 90 numa entrevista à MTV, dizia que na opinião dela Gilberto Gil era o grande artista da música brasileira.







Desde o tempo em que comecei a ter um pouco mais de noção sobre política e cultura, talvez a partir da época do cursinho, via que Gil antecipava assuntos que depois ganhariam a devida atenção popular, como foi com a Internet na metade dos anos 90 e as discussões a respeito dos direitos autorais e políticas de incentivo à cultura. Ontem mesmo durante o documentário falava-se que Gil foi um dos expoentes do ambientalismo no Brasil, numa época em que quem se preocupava com a questão era chamado de bicho grilo. Somando-se a isso, pela maneira harmônica com que conduziu o Ministério da Cultura, a partir de 2002, Gil já tinha virado meu ídolo, pela dedicação com que se envolvia com seus ideais.







Entretanto, musicalmente posso dizer que até hoje tenho uma certa dificuldade em apreciar as músicas Gil. Acho que esse é um típico exemplo de como minha relação com a MPB sempre foi conflituosa. Desde a época em que tomei conhecimento da importância de Gil, quando comecei a tocar violão, nada me fazia encantar com sua música. Era muito mais fácil por exemplo gostar de Djavan do que de Gil, apesar do Ricardo, meu cunhado, sempre tocar nas rodas de violão músicas como Drão e Palco. Mais gostava por conta do clima sempre bom de escutar música brasileira no violão do que propriamente algo intrínseco a mim, como foi o rock nacional durante certo tempo e o indie rock a partir dos 16, 17 anos. Por outro lado, via que Gil sempre estava perto de tudo aquilo que gostava. Já sabia que uma das músicas mais marcantes dos Paralamas e que serviu como divisor de águas na carreira deles, era “A Novidade”, feita em parceria com Gil. Reconheço também que Gil foi um dos que trouxeram o reggae pro Brasil no final dos anos 70. E foi um dos que apoiaram a axé music, que apesar de diversas críticas, é algo original, que representa uma das diversas faces da música brasileira.







Acho que minha dificuldade em entender Gil tem a ver um pouco por conta de sua brasilidade. Domingo no Parque você vê que é uma música que vem cheia de regionalismo por trás. Pelo documentário fala-se que apesar de Gil sempre estar ligado no rock inglês, sua grande influência sempre foi Luiz Gonzaga, ícone da música popular brasileira que sempre tive um pouco de dificuldade de entender, apesar de gostar de forró. Admito que ocorra talvez por conta da influência de viver numa cidade como SP, em que a música de fora acaba tendo mais importância que nossos regionalismos. Admito que talvez por conta disso, por sua influência americana, Jorge Ben continua sendo o ponto de intersecção mais fácil com a MPB. Escutar Jorge Ben foi a maneira mais fácil de descobrir as coisas boas de Caetano dos anos 70. Inclusive no livro de Caetano sobre o Tropicalismo tem uma passagem em que Gil dizia nos anos 70 que sempre gostaria de tocar violão da maneira que Jorge Ben tocava.







Aproveitei todo esse momento Gil pra ver o filme Doces Bárbaros no sábado, que já está em meu computador há algum tempo. Vendo calmamente, sob influência também de leituras que venho tendo do tropicalismo, como o livro Noites Tropicais do Nelson Motta. Gil é o personagem mais dramático desse filme. Estamos em 76. 4 anos após sua volta do exílio, Gil é preso novamente. Dessa vez em Florianópolis. Por conta de uma denúncia, acharam 2 baseados junto com ele. Ficou um mês preso e durante sua prisão, Gil mostra uma tranqüilidade de um zen budista no meio de uma guerra. Disse que sabia perfeitamente a diferença entre o bem e o mal e sabia perfeitamente em que posição ele se situava. Em seu julgamento, foi considerado dependente químico, o que o levou para uma clínica de reabilitação. Pelas histórias que as pessoas contam no documentário, parece que foi barra esse momento. Nesse filme, temos uma declaração de Gil arrebatadora, digna de colocá-lo junto aos grandes ícones libertários da década de 70 no mundo todo. Chico conta no documentário que durante a primeira prisão de Gil, em 69, que o levou para o exílio, havia uma preconceito muito forte com relação a Gil, por conta dele ser negro e de suas idéias revolucionárias para aquele momento conturbado. Já durante o filme Uma Noite em 67, vemos nas declarações de Gil a postura intelectual diante dos reporters da TV Record, com um discurso nitidamente anos luz a frente das declarações esquerdistas e jovem-guardista da época.







Impossível não falar de um dos discos mais obscuros da música brasileira nos anos 70. Feito por Gil e Ben em 74,o Gil e Jorge, Oxum Xango, que por conta da Internet, voltou a tocar nos mp3 players dos ouvidos mais antenados com o passado. Acho que escutei ele pela primeira vez há uns 5 anos. Nunca consegui gostar muito, mas sempre lia nos blogs que era um disco foda, mas tinha que ter muita calma para entender um disco como aquele. Como são as coisas. Estava entediado nesse sábado, numa feira de roupas no Jockey e não é que começo a escutar do lado de fora de uma loja a música “Meu Glorioso São Cristóvão”, desse disco de Ben e Gil? Sim. Acho que foi um dos sons desse disco que tinha mais me chamado a atenção. Voltei pra casa e a primeira coisa que fiz foi por pra tocar no I-pod esse disco de uma hora e meia de duração. Foi delicioso escutar a mistura de ritmos daquele disco. Música baiana junto com a carioca. Candomblé de Gil, com referências católicas e africanas de Ben. Uma mistura musical que pra mim de tão obscuro, mas ao mesmo encantador, tinha algum sentido esotérico, assim como a Tábua de Esmeralda de Ben e outros de seus discos da época, como bem pude comprovar numa noite de lua cheia em Ouro Preto, numa roda de violão em que uns mineiros só tocavam outros sons setentistas de Ben.

Não tem como pensar em “Esotérico”. Música de Gil que conforme eu vou ficando mais velho, mais vou gostando, mais me identifico com ela. Mais acredito no que ela diz. É assim como me apresento quando alguém pergunta minha religião. Digo que sou esotérico..





“Mistérios sempre há de pintar por ai.”

“Até que nem tanto exotérico assim. Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais”

Bom. Sigo escutando Gil. Aos poucos to descobrindo coisas boas da música brasileira. Nesse mês por exemplo, descobri muitas coisas legais de Chico Science. Algo inconcebível alguns anos atrás. O caminho é tortuoso, muitas vezes difícil de se achar. Mas cada vez mais admiro essa história da música brasileira. Um dia entenderei melhor esses regionalismos brasileiros. Tem coisas que acho que só mais velho pra entender...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O Coadjuvante, celebridades no futebol e o time do Semestre




26 do segundo da final da Copa do Brasil. Vitória x Santos. 1 x 1. Quase terminando o jogo e segunda vez que eu ouço falar do Robinho. A volta dele teve muito menos impacto que a volta do Ronaldo pro Corinthians. Durante a Copa do Mundo foi a mesma coisa. O Robinho aparecendo mais na marcação que no ataque. O único momento que o cara me chama a atenção é quando faz aquela cara feia no começo do jogo contra a Holanda. Coisa de poucos anos, Robinho era o craque de 2 campeonatos brasileiros.

Agora Robinho aparece mais nas manchetes das colunas de fofocas do futebol e nas propagandas de TV. Parece que vai voltar pro Manchester City, time de segunda categoria na Inglaterra. Mais ou menos como Ronaldinho, o astro pop do Milan, que não brilha desde antes da Copa de 2006 e está por cima em tudo aquilo que chamamos de entretenimento. Kaka mesma coisa. Cristiano Ronaldo chegou a virar estátua numa propaganda da Nike.

São as estrelas do futebol. Que valem mais que a maioria dos times que disputam os campeonatos da primeira divisão. São aqueles sortudos, que brilham durante um ou dois campeonatos e conseguem ser estrelas por muito mais tempo, o suficiente para virar uma celebridade. São como as estrelas de Hollywood, que acabam aceitando os piores papéis pra entrarem nas mega-produções se tornando cada vez mais famosos, cada vez menos interessantes.

Não sei porque, mas me vêem à mente estrelas como Maradona e Mike Tyson nos anos 80 e Michael Jordan, Romário, Ronaldo e Michael Schumaker na década de 90. Ao contrário das estrelas atuais, as celebridades esportivas de épocas não tão distantes eram grandes vitoriosos antes de chegarem ao estrelato, com uma história de sucesso muito maior que a das celebridades atuais. Como é fácil hoje em dia ser astro. Como é difícil nossos astros conquistarem alguma coisa...

40 minutos do segundo tempo. Robinho acaba de sair do jogo. Sua última partida antes de voltar pra Europa. Parabéns ao Santos. Realmente merece o título após a brilhante campanha do primeiro semestre. Sim. Esse time foi melhor que o encantador palmeiras de 2006,campeão paulista, que porém perdeu a final pro Cruzeiro no campeonato principal do semestre. Parabéns Neymar! Parabéns Paulo Henrique Ganso! Quem sabe não seriam craque da Copa? Parabéns Dorival Jr! Coadjuvante como jogador e dando a volta por cima como técnico, em seu segundo título de expressão, seu primeiro título nacional! Parabéns ao bom futebol! Parabéns Alex!

domingo, 1 de agosto de 2010

Uma Noite em 67, Tropicalismo e o verbo Caetanear




Capa bombástica da revista Bravo sobre o filme “Uma noite em 67”, lançado nesse fim de semana. Na foto, Caetano, Chico e Gil durante o festival de música da Record de 67. Caetano à esquerda. Chico à direita. Gil no centro. Caetano com uma roupa transgressiva, lisérgica, idêntica ao flower power do final dos 60. Chico, de gel, smoking e camisa branca. E Gil no meio, de terno e blusa de gola, com grande elegância. Conforme a reportagem, Gil não sabia se ficava do lado dos entusiastas do uso da guitarra na música brasileira, como Caetano ou junto daqueles que eram contra a guitarra, como Elis Regina. Naquela época, em pleno auge da ditadura militar, saber de que lado estava artisticamente ganhava contornos políticos. O Brasil deveria ter influências da cultura americana?

E a maneira como esses 3 grandes artistas brasileiros estão na capa da revista é representativo também sobre a questão de que a arte tem mais importância que a política em certos momentos da nossa história. Caetano está à esquerda na foto. Sua roupa, sua atitude demonstram isso. Já Chico se veste da maneira mais reacionária possível já que tinha um certo compromisso de cultivar seu papel de mocinho no festival, o que apesar de ganhar gritos das garotas da platéia, em termos artísticos o tornava sem graça, De qualquer forma, seu comportamento no filme mostra que ele já não se sentia bem com aquela roupa e com aquele papel.

Por esse prisma, vemos que em momentos marcantes da política e cultura brasileira, Caetano sempre se postou à esquerda de Chico, em termos de atitude, apesar de até hoje Chico sempre se mostrar comunista e Caetano liberal, o que pra mim fica cada vez mais claro de que a cultura pop se encontra à esquerda do comunismo, simplesmente porque quem se encanta com os acordes de uma guitarra, nunca aceitará fascistas, como tanto Bob Dylan dizia.

Já nos anos 70 vemos que a diferença musical entre Caetano e Chico vai ganhando contornos mais emblemáticos. Caetano se aproximando do música americana e do rock britânico, conforme seus discos no exílio, além de suas parcerias com o Black Rio e Jorge Ben a partir da metade desta década. Chico, por sua vez, sempre se identificando com o samba da velha guarda, a música clássica e a bossa nova, gêneros há muito tempo já existentes no Brasil.

Bom. O que achei mais interessante do filme é a importância que o festival desse ano teve para o Tropicalismo se firmar na cultura popular brasileira. Isso é mostrado na maneira com que Caetano e Gil lembram desse festival com um grande carinho, como um momento em que a Revolução Cultural do final dos anos 60 ganhou seu lugar no Brasil. Emblemático o momento em que numa entrevista a Blota Junior, Caetano tenta remeter o Tropicalismo ao pop art e ao gibi, fenômenos considerados pró-americanos ou seja, tudo aquilo que a turma da esquerda da época rejeitava. Já Chico trata esse festival com um certo desdém, talvez por saber que o fato de ser o mocinho do festival de certa forma o representava como como o vilão reacionário contra todo o novo que vinha junto com o Tropicalismo de Caetano, Gil e os desconhecidos Mutantes nesse festival.

O filme é emocionante e divertido. Chorei quando ouvi Alegria Alegria, o que me remeteu à época do impeachment do Collor, quando essa música foi tema de uma minissérie, o que acabou contagiando novamente o País. No meu caso, para um garoto de 12 anos, mais representativo ainda. Lembro que nessa época escutei pela primeira vez uma coletânea de Caetano, um cd minha irmã, que naquele momento estava se caetanizando, com sua vida universitária no interior de SP. Esse cd é inesquecível, com certeza base artística para tudo que veio depois na minha vida.

Isso me remete a uma questão que um professor de cursinho, meio mala, nos perguntava. Quem seria melhor? Caetano ou Chico? Ele dizia que claro, Caetano era melhor. Nessa época, final dos anos 90, com Caetano se aproximando da música comercial brasileira, das novelas, eu, como todo estudante de cursinho, meio socialista, achava um absurdo considerar um cara que gosta de Sandy o maior artista brasileiro! Justamente esse foi o momento em que mais me distanciei de Caetano e me aproximei de Chico, talvez pelo fato de nessa época ter que ter um comportamento mais sóbrio pra conseguir passar no vestibular e do primeiro ano da faculdade, o mais difícil, como todos diziam.

Hoje 13 anos depois, posso dizer que meu professor estava certo. Conforme mostra esse filme, Caetano foi muito mais importante que Chico durante nossa Revolução Cultural dos anos 60. Ele foi o grande mentor e mártir do tropicalismo no Brasil. Mas como Caetano diz sempre e também no filme, tudo isso se deve a Gil, que é claro merece um capitulo a parte, que futuramente quero falar. Com certeza ele não é coadjuvante nessa história, ao contrário de Roberto Carlos nesse filme, talvez o único momento em que o rei foi súdito. Depois de ver esse filme, fiquei com orgulho de encontrar dias desses a ex mulher de Caetano, a Paula Lavigne, durante o show do Otto, e sem vergonha alguma, dizer que o Caetano foi meu grande mestre. Após uns 10 anos de raiva de Caetano, a cada dia que passa vou me conciliando com a música e a atitude de Caetano, descobrindo suas músicas obscuras, principalmente dos anos 70, época que acho que a música brasileira traduziu um pouco mais daquilo que o Caetano queria trazer com seu Tropicalismo, conforme os trabalhos de Jorge Ben, Mutantes, Novos Baianos e Gal Costa.

Agora me vem mais um momento marcante do filme. Ao ser questionado se ele se preocupava com a repercussão na Bahia sobre a utilização de guitarras nos festivais, Caetano responde brilhantemente: "O povo baiano é muito maior que isso." Ouvir uma frase dessa só me dá orgulho de saber que toda minha família paterna vem da Bahia. Fica mais fácil entender o que significa o verbo Caetanear, profetizado numa das mais belas músicas de Djavan, aliás, mais uma questão com que me deparei no vestibular. Dá vontade até vontade de cantar:

"O luar, estrela do mar. O sol e o dom, quiçá, um dia a fúria. Desse front virá lapidar. O sonho até gerar o som. Como querer caetanear o que há de bom ..."